A maior parte dos jogos modernos utiliza alguma forma personificada do jogador para realizar a imersão na experiência. Entretanto a forma como o jogador vai se identificar com tal personagem é tema de um dos maiores dilemas presentes no design de jogos eletrônicos.
A primeira forma de se fazer um personagem jogável é torná-lo uma tábua rasa, ou o mais próximo possível disso. Assim o jogador consegue moldar o personagem da forma como quiser, através das experiências propostas pelo jogo. A vantagem deste modo de criação de personagem é diminuir o trabalho para criar traços com os quais o jogador precisa se identificar para aceitar aquele personagem como seu representante no mundo do jogo. Afinal os traços serão definidos pelas ações do jogador no decorrer do jogo. Exemplo de personagens criados desta forma é o personagem no jogo Fallout 3, onde você escolhe em todos os momentos como lidar com as situações propostas. Claro que existem limitações óbvias no número de opções de como lidar com cada situação apresentada, mas você ainda tem múltiplas escolhas na maior parte delas.
O problema deste tipo de personagem é exatamente criar uma história capaz de engajar o jogador por tempo o suficiente sem a motivação trazida pelo personagem. E é por isso que Fallout 3 usa o laço mais primordial, que é o pai do personagem, para motivar a primeira ação significativa do jogo. Ação na qual o jogador não tem poder de decisão nenhum. Todos os outros eventos e missões presentes no jogo são relativamente curtos e motivam o jogador economicamente (com as recompensas em potencial) ou pela curiosidade despertada por um mundo tão rico. Quando você quer motivar o jogador pela curiosidade, a riqueza da história de fundo dos personagens secundários passa a ser importante. Por exemplo, no jogo Dragon Age seu personagem possui uma história bem rasa, mas os diversos personagens que lhe acompanham durante o jogo são extremamente ricos em suas vidas, como demonstrados nas longas horas de diálogos gravados e nas missões que eles apresentam ao jogador quando este se aproxima o suficiente deles. Mas tenha em mente que o jogador precisa ter a impressão de que pode fazer escolhas significativas na vida do personagem que ele está interpretando.
A outra forma de se criar um personagem é colocar toda a força da história de fundo no personagem principal, principalmente trazendo algum elemento emotivo que se desenvolve durante o jogo em si. Desta forma o jogador deixa de ser o personagem e passa a ser uma espécie de ajudante durante os combates ou outras decisões logísticas. Isso permite o desenvolvimento das relações entre os personagens no universo do jogo sem a interferência do jogador, o que torna tudo muito mais fácil de manipular.
O problema é exatamente tornar o jogador interessado em assistir essa história e auxiliar o personagem principal para conseguir o que ele deseja. Geralmente a forma mais válida de fazer isso é colocar motivações de natureza emotiva, que todas as pessoas vão vivenciar ou já vivenciaram alguma vez na vida. Outra motivação muito forte é o apelo para o extinto de sobrevivência, seja esse instinto próprio do personagem ou para que o personagem salve alguém que ele ama. Esse é o método mais utilizado na criação de personagens em outros meios de entretenimento, já que as ações do espectador vão ser de pouca relevância para definir como o enredo transcorrerá.
Essa forma de construção de personagem faz com que o jogador foque de verdade na mecânica e jogabilidade do jogo, já que a história está lá para ser simplesmente assistida. E que para assisti-la é necessário dominar pelo menos em algum nível as mecânicas expostas pelo jogo. Alguns exemplos desse método de criação de personagens são os jogos da série Final Fantasy, onde em múltiplas instancias você é conduzido pela história sem poder de decisão nenhum, inclusive nos diálogos, que são lineares a maior parte do tempo. E mesmo quando não lineares tudo que se muda nos diálogos é uma reação momentânea do personagem para quem se falou.
Esse tipo de estruturação de personagem mais engessada pode ser aplicada apenas no passado do personagem, justificando as habilidades únicas que ele possui quando comparado a outros membros de sua espécie ou outros habitantes de seu mundo em geral. Ou então justificando uma fama pré-existente do personagem sem gasto de tempo de jogo e desenvolvimento contando essa história de forma interativa.
Nenhum dos dois métodos é certo ou errado. Cada um atrai uma gama de jogadores diferentes. Mas de certa forma deixar o jogador se motivar e criar suas próprias histórias é um dos elementos que tornam os jogos uma forma de entretenimento única. O que quero dizer é que para contar histórias de personagens bem definidos e criados já existem pelo menos três formas de arte.
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Estamos criando um mundo (ou melhor vários mundos) na indústria de games onde o protagonista é o personagem menos significativo da história. É estranho que tenhamos chegado nesse ponto depois de tantos personagens memoráveis.
Se antes era regra era a criação de um personagem sólido, com uma história de fundo, com sentimentos próprios para com o seu ambiente, agora somente podemos experimentar o mundo através dos olhos de seres superficiais. Como se tivessem verdadeiramente sido criados naquele instante, sem que nada de sua vida até o momento tenha qualquer relevância sobre sua interação com o mundo.
O gamer não é simplesmente alguem que deseja "testar como ELE reagiria a determinados estímulos" mas, na maioria das vezes alguem que quer se imergir em um mundo fantástico, em um enredo que NÃO é o seu. As vezes o jogador somente quer uma boa história.
Em resumo: Eu nunca fui, nem desejei ser um encanador. Nunca quis "roleplayar" um italiano. Mas por Bahamut! Como eu me diverti jogando como o Mario. E literalmente essas foram as ÚNICAS características que a Nintendo me impôs ao criar seu personagem. Não precisa de muito, mas grandes personagens NÃO NASCEM DE PROVETA.